sábado, 14 de junho de 2025

Conto: Doce Engano


Lívia já não acreditava no amor.

Não por falta de tentativa. Na verdade, talvez o erro fosse exatamente esse: ela sempre tentava demais. Era daquelas que se doava por inteiro, que enxergava beleza onde só havia sombras, que insistia em colher flores mesmo em terrenos áridos. Gostava antes de ser gostada. Cuidava antes de ser cuidada. E, em todas as vezes, saia ferida — não por facas visíveis, mas por silêncios, ausências e promessas não cumpridas.

Aos vinte e sete, decidiu que bastava.

Passou a fazer silêncio dentro de si. Evitava aqueles olhares demorados, os sorrisos que pareciam dizer “fica mais um pouco”, as mensagens que começavam com “pensei em você hoje”. Ela tinha aprendido: tudo isso eram iscas para um poço sem fundo.

Começou a andar mais sozinha. Ia ao cinema só, tomava vinho lendo Clarice nas noites de sexta, arrumava suas próprias flores. Aprendeu a gostar da própria companhia. Fez terapia, viajou, cortou o cabelo curto como sempre quis. E, no fundo, sentia um certo orgulho: finalmente estava se colocando em primeiro lugar. Ninguém mais teria o poder de fazer morada nela para depois ir embora.

Foi nessa fase que ela conheceu Alex.

Não foi em uma festa nem em um aplicativo. Foi numa tarde qualquer, em uma livraria do centro. Ele pegou o mesmo livro que ela: um romance esquecido de um autor russo que poucos conheciam. Riram da coincidência, trocaram comentários, e logo estavam sentados no café ao lado, falando sobre literatura, filmes antigos e suas músicas favoritas.

Lívia manteve o escudo. Era boa nisso agora. Mediu palavras, riu com moderação, controlou o impulso de querer saber tudo sobre ele de uma vez. Mas Alex era diferente. Tinha aquele jeito calmo, olhos que pareciam ouvir, voz que dava vontade de seguir falando só pra não acabar. Não prometia nada — mas estava sempre ali.

Ele a convidava para tomar café sem pressa, caminhava com ela até sua rua mesmo quando chovia, mandava fotos de passagens bonitas de livros com um “isso me lembrou você”. Lívia começou a se permitir, aos poucos. Um toque de mão no cinema, um beijo tímido depois de uma noite de conversa, um abraço mais demorado antes de se despedirem.

Com Alex, não parecia uma paixão avassaladora — era como um rio calmo, que vai tomando o leito sem alarde. E Lívia se deixou levar, pela primeira vez em muito tempo, com a esperança discreta de que, talvez, dessa vez, fosse diferente.

Mas os sinais começaram sutis.

Mensagens demorando a chegar. Desculpas vagas para não se ver. Um cansaço estranho nas palavras. E então, o sumiço.

Lívia esperou. Enviou uma única mensagem, com cuidado, sem cobrança. “Tá tudo bem aí?” Não houve resposta. Dois dias. Uma semana. Um mês.

Ela soube. Sentiu no corpo, na alma, no silêncio. Era como se tivesse voltado para aquele lugar escuro de antes, só que agora com a ironia de ter acreditado que sabia se proteger. Chorou em silêncio por duas noites. Não por ele, exatamente, mas por si mesma — por mais uma vez ter se enganado, por mais uma vez ter aberto portas que não deviam ter sido abertas.

Quando, meses depois, encontrou Alex por acaso em uma galeria, ele sorriu com aquele mesmo jeito sereno. Disse que a vida estava corrida, que as coisas tinham ficado confusas. Nenhuma explicação verdadeira. Nenhuma dor nos olhos.

Foi então que Lívia percebeu: ela não tinha sido amada — tinha sido apenas cenário de passagem para alguém que nunca quis ficar.

Voltou para casa com um nó na garganta, mas não o deixou crescer. Acendeu velas, pôs uma música triste — dessas que fazem companhia — e escreveu uma carta para si mesma. Não para culpá-la, mas para acolhê-la. Era hora de lembrar que o erro não estava em sentir, mas em esperar que os outros soubessem o que fazer com o que ela dava.

Naquela noite, dormiu mais inteira do que antes. Não mais ilesa, mas mais lúcida. Porque agora sabia: o amor pode vir, sim. Mas ela não o imploraria mais. Nem o confundiria com migalhas.

Amaria, talvez um dia — mas só se fosse um amor que soubesse ficar.


...Algumas dores não doem mais depois de um tempo — só pesam.

Foi o que Lívia sentiu nos meses que se seguiram. Não chorava mais por Alex. Mas ainda o sonhava. Não que sentisse falta dele exatamente… era da ideia. Do possível. Do que poderia ter sido. Às vezes, até se sentia ridícula por isso. Outras vezes, apenas humana.

Ela continuou indo ao trabalho, respondendo aos e-mails, dando bom dia ao porteiro. Ninguém via a ferida — era discreta, costurada por dentro. Aquele tipo de cicatriz que não sangra, mas aperta. Começou a se perguntar: o que ainda existe em mim que insiste em acreditar mesmo depois de tudo?

A resposta veio devagar.

Lívia não era ingênua. Só era feita de amor demais. Era por isso que se machucava tanto — porque sentia profundo, via bonito, tocava com intenção. E, quando alguém vinha e tratava tudo isso com descuido, ela não entendia. Não era só um fim de romance. Era um desequilíbrio no mundo.

Mas agora ela entendia um pouco mais.

Começou a sair sozinha de novo. Não por fuga, mas por reencontro. Passava horas em livrarias sem buscar coincidências. Sentava no café com o mesmo livro, mas sem esperar alguém vir falar sobre ele. Caminhava pela cidade com seus fones de ouvido e uma trilha sonora escolhida a dedo: era o próprio filme que vivia. Às vezes, ria sozinha. Às vezes, se emocionava com alguma lembrança — mas não voltava atrás.

Lívia não queria mais amor.

Pelo menos não aquele que vinha para ocupar espaço e sair sem varrer a bagunça. Não queria alguém que a tirasse de si mesma para depois deixá-la tentando se remontar aos pedaços. Tinha entendido: o amor não deveria doer tanto. E o que mais tinha vivido até agora era dor disfarçada de paixão.

Alguns amigos tentavam apresentar pessoas. Ela recusava com um sorriso gentil. “Não é hora.” Eles não entendiam. Achavam que ela precisava de alguém pra curar a decepção. Mas Lívia sabia: ninguém cura o que não vê por dentro.

Foi quando começou a escrever.

Primeiro frases soltas num caderno. Depois, cartas para ninguém. E então, textos longos, íntimos, onde derramava tudo o que não conseguia mais dizer em voz alta. Contava de Alex, mas também de si. Escrevia sobre todas as vezes que amou errado, mas, mais do que isso, escrevia sobre o quanto aprendeu. Sobre o que não quer mais. Sobre o que, talvez, ainda permita — um dia.

Começou a publicar em um blog. Ganhou leitores. Pessoas que escreviam dizendo “eu me vi em você”. E, sem perceber, Lívia encontrou algo maior do que qualquer romance passageiro: encontrou sentido.

Porque ali, nas palavras, era finalmente ouvida do jeito que sempre quis ser. Sem pressa, sem promessas. Só presença.

E foi numa dessas noites em que escrevia com a cabeça encostada na janela, que percebeu: talvez não amar ninguém por um tempo era exatamente o que ela precisava. Não por medo, não por amargura, mas por respeito. Respeito ao que passou. Respeito ao que era. Respeito à própria história.

Não era ausência de amor. Era amor próprio em forma de silêncio.

E então, pela primeira vez em muito tempo, Lívia não sentiu falta de ninguém.

Nem de Alex.
Nem do que poderia ter sido.
Nem do que ainda não era.

Sentia-se inteira — mesmo que ainda em construção.

E, no fundo, sabia: se um dia o amor viesse de novo, que ele a encontrasse assim — firme, tranquila, e sem precisar ser salva de nada.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Conto: Amor Unilateral



Ela se chamava Clara, e talvez esse nome já dissesse tudo: transparente demais para um mundo que valoriza máscaras, pura demais para quem não sabe amar. Vivia com o coração escancarado como uma janela aberta em tarde de verão, onde qualquer brisa entrava, mas ninguém parava para admirar a paisagem. E nessa janela, um dia, entrou ele.

Caio chegou como chegam os furacões disfarçados de brisa. Um sorriso fácil, olhar que mirava fundo e parecia ver tudo — menos ela. Clara o conheceu na aula de fotografia, quando ele, desajeitado com a câmera, fez dela motivo de risos ao confundir foco com exposição. Ela riu também, mas foi por dentro que algo se acendeu. Um lampejo de interesse, aquele calor mudo que antecede o amor — ou o desastre.

Ela se apaixonou com a docilidade de quem nunca aprendeu a se defender. Guardava bilhetes não enviados, frases ensaiadas que morriam na boca, e olhares demorados enquanto ele contava histórias sobre outras mulheres. Caio era o tipo que brilhava — não porque era luz, mas porque sabia refletir a dos outros. E Clara, sem perceber, foi se apagando aos poucos.

Houve dias em que ela acreditou que ele sentia algo. Um elogio perdido, uma gentileza fora de hora, uma carona oferecida em silêncio. Mas eram só sobras, acasos, esmolas sentimentais dadas a quem amava com fome. E ela, faminta, aceitava.

Ele, por outro lado, falava de outra. Uma tal de Isadora, com riso fácil e jeito de tempestade. Clara ouvia tudo com um nó na garganta, fingindo interesse, tentando achar sentido na própria dor. Talvez pensasse que amar era resistir, que um dia ele a veria — que bastaria estar ali, firme, presente, constante. Mas amar não deveria ser um teste de resistência.

Os amigos a alertaram. Disseram que ela merecia mais, que ele era distraído, que não enxergava além de si mesmo. Ela sorria, como quem entende, mas não consegue aplicar. Como quem sabe que está se afogando, mas ainda assim prefere o mar.

O ápice veio numa festa qualquer, dessas em que a música é alta e os sentimentos, mais ainda. Ela o viu beijando Isadora no meio da sala, como quem nunca teve dúvida. E ali, entre goles amargos e batidas do coração fora do compasso, Clara soube: não havia espaço para ela naquele enredo. Nunca houve. Ela amava sozinha, como se ama uma estrela — bonita de se olhar, inalcançável de se tocar.

Naquela noite, ela foi embora sem dizer adeus. Chorou até dormir, e no dia seguinte acordou como quem perde um membro: sentia falta, mas sabia que precisava aprender a viver sem. Parou de frequentar as aulas, deixou de seguir seus passos, e pouco a pouco reconstruiu-se. Com dificuldade, com recaídas, com silêncio.

Anos depois, encontrou Caio numa livraria qualquer. Ele sorriu, como sempre. Disse que sentia saudade, perguntou onde ela esteve, falou que sempre gostou do jeito dela, que talvez tivessem se cruzado na hora errada. Ela apenas sorriu. Não por amor, mas por alívio. Porque naquele momento, Clara já não amava mais.

E assim, como quem fecha a janela para um vento que não traz alívio, ela se despediu. Com a leveza de quem aprendeu, ainda que com dor, que o amor — o verdadeiro — não mora onde não há reciprocidade. E que se amar demais a quem não merece é se abandonar aos poucos.

E Clara já não se abandonava.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Conto: Entre o Tocar e o Romper

 

Diziam que eles haviam nascido um para o outro.
E, de fato, por um tempo, tudo parecia confirmar isso.

A história de Isadora e Lian começou numa tarde de chuva miúda, quando ela deixou cair os livros na escadaria da faculdade e ele, com um sorriso tímido e olhos fundos demais para serem ignorados, agachou-se ao seu lado. Seus dedos se tocaram por acaso, e aquele instante — quase imperceptível — pareceu conter séculos. Era como se algo neles já se conhecesse de antes, de outras vidas talvez. Uma sensação de reencontro que nenhum dos dois soube nomear, mas ambos sentiram.

Nos primeiros meses, eram inseparáveis. Isadora, com sua alma cheia de primavera, encontrava em Lian uma sombra que não a assustava — ao contrário, a fazia querer mergulhar. Ele, com seus silêncios e olhos carregados de melancolia, sentia-se pela primeira vez compreendido. Não precisavam de muito. Bastava estarem juntos.

Falavam sobre tudo: sobre os medos, os traumas, as cicatrizes que ninguém via. Isadora tinha o coração cheio de esperanças que o mundo tentara apagar, mas ela insistia em reacender. Lian trazia dentro de si uma tempestade antiga, daquelas que ninguém nunca soube acalmar. Até que ela chegou. E ele acreditou que poderia ser diferente.

Por um tempo, foi.

Isadora passou a entender os silêncios de Lian como poesia. Ele via nela uma luz que o obrigava a acreditar que talvez a vida não fosse tão ruim. Foram se misturando, se moldando um ao outro, como se a história deles já estivesse escrita em algum lugar, esperando o momento certo para acontecer.

Mas o destino, ah… o destino é um romancista cruel.

Com o passar dos meses, o que era encanto virou inquietação. As ausências de Lian começaram a durar mais. Seus olhos antes fundos e ternos passaram a carregar uma sombra que não era só tristeza — era raiva contida. Isadora, sempre tentando salvar, foi se perdendo. Cada vez que ele se fechava, ela tentava mais. Cada vez que ele gritava, ela baixava a cabeça, jurando que era só um momento. Que ele estava machucado. Que ela podia esperar. Que o amor era paciente.

Até o dia em que ele perdeu o controle.

Foi uma discussão boba, como quase todas as outras. Algo sobre um telefone não atendido, um atraso qualquer. Mas os olhos dele estavam diferentes — escuros demais, fora de si. Isadora tentou recuar, mas ele avançou. A mão que antes afagava agora erguia-se com fúria.

Foi um tapa. Um só. Mas foi tudo.

Isadora sentiu o gosto do próprio sangue nos lábios. Ficou parada por segundos que pareceram uma eternidade. Lian, com os olhos arregalados, pareceu despertar do próprio pesadelo. Chorou, pediu perdão, caiu de joelhos. Mas já era tarde. Aquilo não podia ser desfeito.

Ela não gritou. Não respondeu. Só caminhou até a porta, com as mãos trêmulas e o rosto quente. E, antes de sair, disse baixo:

— O destino pode ter escrito o começo... mas eu escrevo o fim.

Isadora foi embora sem olhar para trás. Chorou por semanas. Chorou pela perda, mas chorou mais ainda pela esperança que teve. Pela vontade cega de salvar alguém que não queria ser salvo. Por ter acreditado que amor era sobre suportar. Por ter confundido intensidade com afeto.

Anos depois, alguém lhe perguntaria se ela ainda acreditava em destino.

Ela sorriria, com um traço de dor nos olhos, e responderia:

— Acredito sim. Mas também acredito que o destino não justifica o que fere. Nem todo amor escrito para acontecer merece acontecer até o fim.

E talvez essa fosse a maior lição que ela aprenderia na vida:
Que amor que faz sangrar nunca vale o verso mais bonito.


Que ninguém veio ao mundo para suportar, mas para florescer.
E que por mais que o universo una duas almas, há sempre a liberdade de dizer: não mais.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Conto: Oito Invernos e Nenhuma Primavera

 



Leonor sempre acreditara que o amor verdadeiro era aquele que, mesmo quando a rotina se instalava e os silêncios cresciam, ainda pulsava em pequenos gestos. Nos cafés quentes deixados na mesinha de cabeceira nas manhãs frias. Nos bilhetes rabiscados com pressa, mas cheios de ternura. Nos olhares cúmplices que diziam: “ainda estamos aqui”. Durante oito anos, foi assim com Diogo.

Conheceram-se numa tarde chuvosa na Baixa de Lisboa. Leonor derrubara sem querer os livros dele numa livraria. Ele sorriu, ela pediu desculpa mais vezes do que precisava. Conversaram ali mesmo, entre estantes, sobre Saramago e fado, sobre vinhos e gatos. No fim daquela tarde, já estavam a rir como se se conhecessem de outros tempos.

Diogo tinha aquele ar de quem vive mais dentro da cabeça do que fora, e Leonor, com seu jeito intenso, parecia iluminá-lo. Foram morar juntos dois anos depois. Não por pressão, mas porque parecia natural. Já dividiam tudo: lençóis, louças, silêncios e domingos.

Leonor sempre achou que o pedido de casamento viria. Não precisava ser num restaurante caro, nem com alianças escondidas em sobremesas. Bastava o olhar dele e a pergunta. Ela tinha até sonhado com isso mais de uma vez. E, com o tempo, foi esperando. E esperando. E esperando...

Ela segurou as pontas quando Diogo perdeu o emprego e passou meses à deriva. Foi ela quem lidou com o cansaço, quem cozinhava quando ele só queria dormir, quem sorria por dois quando ele mal falava. Quando os pais dele adoeceram, Leonor cuidou como se fossem seus. Adiou os próprios sonhos, manteve os dois de pé. E, mesmo quando sentia que as palavras entre eles escasseavam, ela acreditava que ele estava ali, que era uma fase, que depois da tempestade viria o tal dia.

Até aquela sexta-feira.

Diogo chegou mais cedo do trabalho. Leonor sorriu, achando que era surpresa. Talvez — finalmente — fosse o dia. Ela vestia a blusa azul que ele adorava, o cabelo solto como ele sempre preferia. Mas havia algo diferente no olhar dele. Uma rigidez. Uma ausência.

— Podemos falar? — ele disse, sem rodeios.

Ela assentiu, o coração já adivinhando a dor.

— Eu... não consigo continuar. — disse Diogo, com a voz baixa. — Já não faz sentido.

Leonor engoliu em seco, sem entender.

— Não faz sentido o quê, Diogo?

— Nós. Isto. Oito anos e... não sinto que estejas comigo de verdade. Parece que não lutas por nós.

Silêncio.

Foi como se o chão abrisse debaixo dela.

— Eu... como assim não luto? — a voz dela saiu frágil, quase infantil. — Eu dei tudo, Diogo. Aguentei tudo contigo. Estive ao teu lado sempre. Abri mão de mim, de planos, de oportunidades. Cuidei de ti. Amei-te até nos teus dias mais cinzentos.

— Eu sei... — ele disse, desviando os olhos. — Mas sinto que foste ficando. Como quem está por hábito. Faltou fogo. Faltou... algo. Não sei explicar.

Ela tentou manter-se firme, mas as lágrimas já traçavam caminhos no rosto.

— Oito anos. E só agora te apercebeste disso?

Ele não respondeu.

E foi assim que terminou. Sem brigas. Sem gritos. Sem uma terceira pessoa. Só com a ausência de algo que ele não soube nomear — e ela não pôde combater.

Nos dias que se seguiram, Leonor arrastou-se entre caixas e recordações. Cada canto da casa carregava uma memória: o café da manhã aos sábados, o som dos passos dele pelo corredor, as tardes de preguiça no sofá. Tudo era dele. Dela. Deles.

Ela relembrava os jantares em que ele falava dos planos para o futuro. Das conversas em que ele dizia que a amava, que se via envelhecendo com ela. Palavras que agora pareciam folhas secas levadas pelo vento.

E, pela primeira vez em muito tempo, ela pensou: e eu? Quem lutou por mim?

Percebeu que, em meio a tentar manter o “nós” vivo, esquecera de si mesma. Que se moldou tanto aos silêncios dele, aos tempos dele, às dores dele, que se apagou aos poucos. E que ele, talvez, tenha se afastado justamente porque já não a via ali.

Leonor então decidiu recomeçar. Não com pressa, nem com promessas. Mas com a coragem de se reencontrar. Passou a caminhar mais, a sorrir aos poucos, a escrever num caderno tudo o que sentia. Voltou a ouvir os fados que tanto amava. E aos poucos, foi voltando para si.

Alguns amores acabam não porque faltou amor, mas porque um dos dois cansou de carregar tudo sozinho. E quando isso acontece, não há pedido de casamento que salve. Há apenas o luto. E, depois dele, o renascimento.

Leonor chorou todos os dias durante semanas. Mas, um dia, acordou e o nome dele não foi o primeiro pensamento. Nesse dia, ela soube: estava a voltar.



A primavera, enfim, chegava.


P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

domingo, 1 de junho de 2025

Conto: Entre Linhas e Mentiras

 


Daria era uma garota doce, de olhos sonhadores e coração inteiro, daqueles que ainda acreditavam no amor como em um conto de fadas. Estudante de Letras, passava horas entre livros e devaneios, criando finais felizes que sua própria vida ainda não conhecia. Até que, numa madrugada solitária, conheceu Júlio em um grupo literário na internet.

Conversas despretensiosas viraram trocas de confidências. Ele era carismático, engraçado e dizia as palavras certas como se tivesse o mapa do coração dela. Em pouco tempo, os dois estavam namorando virtualmente. Mesmo distantes por cidades e quilômetros, ela sentia-se próxima, como se ele estivesse sempre ali, no outro lado da tela, cuidando dela.

Mensagens de bom dia, chamadas de vídeo até altas horas, planos de um futuro juntos. Daria entregou-se por completo. Aos poucos, ele passou a fazer parte de tudo: das suas manhãs apressadas até os sonhos que ela escrevia nos cadernos de poesia. Ela via Júlio como o começo e o fim, como aquele que faria morada em sua vida para sempre.

O primeiro encontro aconteceu quatro meses depois, e tudo pareceu ainda mais real. Ele a abraçou com firmeza, beijou sua testa e sussurrou: "Agora é de verdade". Daria chorou de emoção naquela noite. Tinha certeza de que o amor que tanto esperou havia, finalmente, chegado.

Mas as certezas, assim como as promessas, às vezes são frágeis.

Os sinais vieram pequenos. Respostas curtas, sumiços repentinos, justificativas vagas. A intuição começou a bater à porta, mas ela trancava com força, tentando acreditar no amor que construiu com tanto zelo.

Até o dia em que uma mensagem chegou por engano. Um “te amo” que não era pra ela. Daria tremeu. Questionou, foi ignorada. Procurou, encontrou. Descobriu não uma, mas várias conversas, várias "outras" que recebiam o mesmo carinho que ela julgava ser único. Júlio era plural demais para quem prometera exclusividade.

O mundo de Daria caiu com um baque mudo. Ela chorou como quem perde uma parte de si, não apenas o amor, mas a ilusão. Sentiu raiva, vergonha, tristeza — tudo junto, tudo ao mesmo tempo. E quando ele tentou justificar, culpando a distância, a rotina, o momento, ela apenas desligou.

Não por orgulho, mas por amor-próprio.

Levou tempo, noites mal dormidas e páginas rasgadas de um diário que ela não conseguia mais escrever. Mas Daria renasceu. Refez seus passos, colou os cacos e entendeu que não era burra por ter acreditado. Era bonita — por ter amado com verdade.

Hoje, quando lê os textos antigos, ainda lembra de Júlio. Mas não com dor. Com aprendizado. Ele foi uma mentira que ensinou a verdade: que o amor começa no outro, mas só permanece quando também habita o respeito.

E ela? Segue, inteira. Sozinha, mas em paz.
Porque agora sabe: o único amor que nunca a trairia é o dela por si mesma.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

sábado, 31 de maio de 2025

Conto: A Profecia da Lua Rubra

 


Dizem os anciãos da Floresta de Uvarrah que, muito antes dos homens erguerem cidades de pedra e esquecessem a linguagem do vento, havia dois guardiões das sombras e da luz: Maegor, o lobo negro de olhos como brasa viva, e Selara, a loba branca de olhos tão azuis quanto o céu antes da tormenta.

Eram irmãos de alma, nascidos sob eclipses distintos, marcados pelos espíritos antigos para carregar o fardo e o destino dos Urvanyn, a antiga linhagem dos licantropos — aqueles que andavam na pele do lobo e do homem, guardiões da harmonia entre o mundo selvagem e o mundo que caminha sobre duas pernas.

Mas havia uma lenda esquecida, enterrada sob cinzas e ossos antigos. Uma profecia que dizia:

“Quando a Lua sangrar no céu sem nuvens,
E o uivo dos últimos ecoar sem resposta,
O tempo dos Urvanyn se findará,
A pele será tomada,
E o sangue da noite se perderá.”

Essa era a Profecia da Lua Rubra, temida por todas as alcateias ocultas. Muitos a consideravam apenas um sussurro de superstição. Mas Maegor sonhava com ela. No fogo de suas visões, via corpos tombando, o céu em chamas, os homens com armas de prata e olhos vazios.

Selara, com sua calma cristalina, era o equilíbrio de seu irmão. Onde ele via destruição, ela via sinais. Onde ele rugia, ela escutava. Juntos, percorriam os territórios antigos, consultando espíritos da mata, lendo símbolos nas pedras musgosas, ouvindo as árvores contarem seus pesadelos.

Foi numa clareira esquecida, onde o tempo não ousava tocar, que encontraram o Oráculo de Cinzas, um espírito ancestral em forma de corvo de olhos múltiplos.

— A Lua sangrará no ciclo que virá — grasnou ele, com voz de muitos ventos. — Mas a profecia não é pedra, é barro. E barro pode ser moldado.

— Como? — rosnou Maegor, com fúria nos olhos.

— O sangue de um traidor. O sacrifício de um inocente. E o juramento diante da Fenda da Morte.

A resposta do Oráculo fez o silêncio se curvar. Um traidor? Um inocente? A Fenda era um lugar amaldiçoado, onde a terra se rasgava e o mundo dos vivos tocava a pele dos mortos.

— Não faremos isso — disse Selara. — Não sacrificaremos um puro por nossa salvação.

— Então pereceremos todos — respondeu Maegor, em voz baixa, como se as palavras doessem mais do que mil garras.

Mas o tempo corria, e a Lua, no céu, ganhava um tom pálido de rubi a cada noite.

Os dois lobos vagaram entre clãs esquecidos, buscando um traidor que entregara sua raça aos humanos séculos atrás. E encontraram Theron, um licantropo exilado, que jurou ter feito o que fez para salvar sua alcateia da extinção — apenas para vê-los todos mortos pelas mãos dos homens.

Theron aceitou o fardo do sangue. Mas quando chegaram à Fenda da Morte, uma escolha precisou ser feita: o sangue de um inocente seria necessário. Selara olhou para Maegor. Ele compreendeu o que ela pensava. Ela se ofereceria. Ela, a luz, o coração da esperança.

— Não — gritou Maegor. — Eu carrego a sombra. Deixe que a sombra se sacrifique.

Mas o ritual exigia pureza. Somente quem nunca ferira por prazer, somente quem amava mais do que temia, poderia ser o Coração da Redenção.

Selara caminhou até a borda da Fenda, seu corpo banhado pela luz rubra da lua, já tingida. O vento sussurrava como uma prece. Ela se virou para o irmão.

— Proteja os nossos, Maegor. Cuide da floresta. Ensine os que virão. Eu serei a memória.

Quando o sangue da loba branca tocou o chão da Fenda, a Lua estremeceu no céu. Seu vermelho se dissipou como fumaça em vento forte. A noite chorou. E Maegor, agora sozinho, soltou um uivo que ecoou por todos os vales e montanhas, despertando os antigos e os jovens, dizendo que a lenda ainda vivia.

Desde então, em toda Lua cheia, dizem que se vê um vulto branco dançando entre as estrelas, e um lobo negro de olhos vermelhos vigiando a terra, para que a Lua nunca mais sangre.

E os Urvanyn seguem existindo, entre as sombras e a luz, protegidos por um pacto selado com amor e perda.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

Conto: O Lobo e o Filho da Terra


Há muito tempo, quando o vento ainda sussurrava os segredos do Grande Espírito aos ouvidos atentos dos homens, viveu um jovem guerreiro chamado Takai, cujo nome significava "o Silencioso". Ele pertencia à Nação do Vento do Norte, um povo que ouvia os sinais da floresta e andava sem ruído entre as árvores. Mas Takai era diferente. Apesar de seus olhos atentos e coração bom, carregava dentro de si um vazio, um silêncio que nem o canto dos pássaros nem a dança das folhas podia preencher.

Certa noite, ao caminhar sozinho sob a lua cheia, Takai ouviu um uivo longo, profundo, que fez seu espírito estremecer. Não era um som comum. Era um chamado. Seus pés se moveram como guiados por algo maior do que ele mesmo, e assim ele seguiu o som pelas colinas, entre as sombras, até encontrar um lobo de pelos brancos como a neve, com olhos da cor do âmbar derretido.

— Você ouviu — disse o lobo, com voz que não saía da boca, mas entrava direto na alma.

Takai não recuou. Não se surpreendeu. Seu povo conhecia histórias de espíritos-animais, mas essa era a primeira vez que via um com os próprios olhos.

— Eu ouvi — respondeu o jovem. — E vim.

O lobo se ergueu sobre as patas dianteiras e fitou o homem como se pudesse enxergar até sua primeira lágrima.

— Então escute, Takai, filho da Terra. Eu sou Kûrah, aquele que caminha entre dois mundos. A floresta é minha casa, mas também conheço os caminhos da alma dos homens. Vim para te ensinar, se você tiver coragem de aprender.

Takai assentiu. Assim começou seu tempo com o lobo.

Durante luas inteiras, Kûrah lhe ensinou os segredos das árvores, o sussurro das águas, a canção dos ventos. Mostrou como os animais falam mesmo sem palavras, como cada folha caída carrega uma mensagem do ciclo da vida. Ensinou-o a caçar sem crueldade, a colher sem cobiça, a dormir ouvindo o coração da terra.

— A floresta não é apenas onde se vive — disse certa vez o lobo. — É onde se ouve. E quem ouve, compreende o Todo.

Mas Kûrah também falava dos homens.

— Eles esquecem, Takai. Esquecem que o sangue deles veio da terra, que a primeira respiração foi dada pelo vento. Por isso vivem em guerra com tudo. Guerra com os outros, com si mesmos, com o tempo.

O jovem ouvia em silêncio, mas algo dentro dele mudava a cada palavra.

Certa noite, sob a mesma lua cheia de seu primeiro encontro, Kûrah o chamou para um círculo de pedras. Ali, o lobo olhou fundo em seus olhos e disse:

— Takai, ensinei-te tudo que podias aprender como homem. Mas há algo mais.

O ar ficou denso. As estrelas pareciam ouvir.

— Eu não sou apenas lobo — continuou Kûrah. — Sou também homem. Vivo entre dois mundos, entre duas naturezas. Sinto o cheiro da terra e o peso da alma humana. Carrego o instinto e a razão, a garra e a compaixão. E agora te pergunto, filho do silêncio: queres ser como eu?

Takai sentiu o coração bater como tambor de guerra. Parte de si desejava a liberdade da floresta, os sentidos aguçados, a verdade pura do lobo. Mas sabia que isso exigia renúncias — talvez nunca mais pudesse viver entre os homens como antes. Seria sempre metade de cada coisa, e nunca inteiro em uma só.

— O que preciso fazer? — perguntou.

Kûrah avançou e roçou a testa na de Takai.

— Apenas aceitar. A transformação começa dentro. Se teu espírito for forte o bastante, tua carne seguirá.

Naquela noite, Takai adormeceu sob a luz prateada. E em seus sonhos correu por entre as árvores, sentiu o cheiro do cervo, a força em suas patas, o vento cortando seus pelos. Quando acordou, seus olhos eram dourados como os de Kûrah.

A partir daquele dia, o povo do Vento do Norte contava histórias de dois lobos que caminhavam juntos pela floresta: um de pelo branco como a neve, outro cinzento como a tempestade. Diziam que protegiam a terra, ensinavam aos dignos, guiavam os perdidos.

Mas apenas os de coração puro conseguiam ouvir seus uivos — pois eram chamados, como Takai fora, a viver entre dois mundos.

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