Lívia já não acreditava no amor.
Não por falta de tentativa. Na verdade, talvez o erro fosse exatamente esse: ela sempre tentava demais. Era daquelas que se doava por inteiro, que enxergava beleza onde só havia sombras, que insistia em colher flores mesmo em terrenos áridos. Gostava antes de ser gostada. Cuidava antes de ser cuidada. E, em todas as vezes, saia ferida — não por facas visíveis, mas por silêncios, ausências e promessas não cumpridas.
Aos vinte e sete, decidiu que bastava.
Passou a fazer silêncio dentro de si. Evitava aqueles olhares demorados, os sorrisos que pareciam dizer “fica mais um pouco”, as mensagens que começavam com “pensei em você hoje”. Ela tinha aprendido: tudo isso eram iscas para um poço sem fundo.
Começou a andar mais sozinha. Ia ao cinema só, tomava vinho lendo Clarice nas noites de sexta, arrumava suas próprias flores. Aprendeu a gostar da própria companhia. Fez terapia, viajou, cortou o cabelo curto como sempre quis. E, no fundo, sentia um certo orgulho: finalmente estava se colocando em primeiro lugar. Ninguém mais teria o poder de fazer morada nela para depois ir embora.
Foi nessa fase que ela conheceu Alex.
Não foi em uma festa nem em um aplicativo. Foi numa tarde qualquer, em uma livraria do centro. Ele pegou o mesmo livro que ela: um romance esquecido de um autor russo que poucos conheciam. Riram da coincidência, trocaram comentários, e logo estavam sentados no café ao lado, falando sobre literatura, filmes antigos e suas músicas favoritas.
Lívia manteve o escudo. Era boa nisso agora. Mediu palavras, riu com moderação, controlou o impulso de querer saber tudo sobre ele de uma vez. Mas Alex era diferente. Tinha aquele jeito calmo, olhos que pareciam ouvir, voz que dava vontade de seguir falando só pra não acabar. Não prometia nada — mas estava sempre ali.
Ele a convidava para tomar café sem pressa, caminhava com ela até sua rua mesmo quando chovia, mandava fotos de passagens bonitas de livros com um “isso me lembrou você”. Lívia começou a se permitir, aos poucos. Um toque de mão no cinema, um beijo tímido depois de uma noite de conversa, um abraço mais demorado antes de se despedirem.
Com Alex, não parecia uma paixão avassaladora — era como um rio calmo, que vai tomando o leito sem alarde. E Lívia se deixou levar, pela primeira vez em muito tempo, com a esperança discreta de que, talvez, dessa vez, fosse diferente.
Mas os sinais começaram sutis.
Mensagens demorando a chegar. Desculpas vagas para não se ver. Um cansaço estranho nas palavras. E então, o sumiço.
Lívia esperou. Enviou uma única mensagem, com cuidado, sem cobrança. “Tá tudo bem aí?” Não houve resposta. Dois dias. Uma semana. Um mês.
Ela soube. Sentiu no corpo, na alma, no silêncio. Era como se tivesse voltado para aquele lugar escuro de antes, só que agora com a ironia de ter acreditado que sabia se proteger. Chorou em silêncio por duas noites. Não por ele, exatamente, mas por si mesma — por mais uma vez ter se enganado, por mais uma vez ter aberto portas que não deviam ter sido abertas.
Quando, meses depois, encontrou Alex por acaso em uma galeria, ele sorriu com aquele mesmo jeito sereno. Disse que a vida estava corrida, que as coisas tinham ficado confusas. Nenhuma explicação verdadeira. Nenhuma dor nos olhos.
Foi então que Lívia percebeu: ela não tinha sido amada — tinha sido apenas cenário de passagem para alguém que nunca quis ficar.
Voltou para casa com um nó na garganta, mas não o deixou crescer. Acendeu velas, pôs uma música triste — dessas que fazem companhia — e escreveu uma carta para si mesma. Não para culpá-la, mas para acolhê-la. Era hora de lembrar que o erro não estava em sentir, mas em esperar que os outros soubessem o que fazer com o que ela dava.
Naquela noite, dormiu mais inteira do que antes. Não mais ilesa, mas mais lúcida. Porque agora sabia: o amor pode vir, sim. Mas ela não o imploraria mais. Nem o confundiria com migalhas.
Amaria, talvez um dia — mas só se fosse um amor que soubesse ficar.
...Algumas dores não doem mais depois de um tempo — só pesam.
Foi o que Lívia sentiu nos meses que se seguiram. Não chorava mais por Alex. Mas ainda o sonhava. Não que sentisse falta dele exatamente… era da ideia. Do possível. Do que poderia ter sido. Às vezes, até se sentia ridícula por isso. Outras vezes, apenas humana.
Ela continuou indo ao trabalho, respondendo aos e-mails, dando bom dia ao porteiro. Ninguém via a ferida — era discreta, costurada por dentro. Aquele tipo de cicatriz que não sangra, mas aperta. Começou a se perguntar: o que ainda existe em mim que insiste em acreditar mesmo depois de tudo?
A resposta veio devagar.
Lívia não era ingênua. Só era feita de amor demais. Era por isso que se machucava tanto — porque sentia profundo, via bonito, tocava com intenção. E, quando alguém vinha e tratava tudo isso com descuido, ela não entendia. Não era só um fim de romance. Era um desequilíbrio no mundo.
Mas agora ela entendia um pouco mais.
Começou a sair sozinha de novo. Não por fuga, mas por reencontro. Passava horas em livrarias sem buscar coincidências. Sentava no café com o mesmo livro, mas sem esperar alguém vir falar sobre ele. Caminhava pela cidade com seus fones de ouvido e uma trilha sonora escolhida a dedo: era o próprio filme que vivia. Às vezes, ria sozinha. Às vezes, se emocionava com alguma lembrança — mas não voltava atrás.
Lívia não queria mais amor.
Pelo menos não aquele que vinha para ocupar espaço e sair sem varrer a bagunça. Não queria alguém que a tirasse de si mesma para depois deixá-la tentando se remontar aos pedaços. Tinha entendido: o amor não deveria doer tanto. E o que mais tinha vivido até agora era dor disfarçada de paixão.
Alguns amigos tentavam apresentar pessoas. Ela recusava com um sorriso gentil. “Não é hora.” Eles não entendiam. Achavam que ela precisava de alguém pra curar a decepção. Mas Lívia sabia: ninguém cura o que não vê por dentro.
Foi quando começou a escrever.
Primeiro frases soltas num caderno. Depois, cartas para ninguém. E então, textos longos, íntimos, onde derramava tudo o que não conseguia mais dizer em voz alta. Contava de Alex, mas também de si. Escrevia sobre todas as vezes que amou errado, mas, mais do que isso, escrevia sobre o quanto aprendeu. Sobre o que não quer mais. Sobre o que, talvez, ainda permita — um dia.
Começou a publicar em um blog. Ganhou leitores. Pessoas que escreviam dizendo “eu me vi em você”. E, sem perceber, Lívia encontrou algo maior do que qualquer romance passageiro: encontrou sentido.
Porque ali, nas palavras, era finalmente ouvida do jeito que sempre quis ser. Sem pressa, sem promessas. Só presença.
E foi numa dessas noites em que escrevia com a cabeça encostada na janela, que percebeu: talvez não amar ninguém por um tempo era exatamente o que ela precisava. Não por medo, não por amargura, mas por respeito. Respeito ao que passou. Respeito ao que era. Respeito à própria história.
Não era ausência de amor. Era amor próprio em forma de silêncio.
E então, pela primeira vez em muito tempo, Lívia não sentiu falta de ninguém.
Nem de Alex.
Nem do que poderia ter sido.
Nem do que ainda não era.
Sentia-se inteira — mesmo que ainda em construção.
E, no fundo, sabia: se um dia o amor viesse de novo, que ele a encontrasse assim — firme, tranquila, e sem precisar ser salva de nada.
P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.