Há muito tempo, quando o vento ainda sussurrava os segredos do Grande Espírito aos ouvidos atentos dos homens, viveu um jovem guerreiro chamado Takai, cujo nome significava "o Silencioso". Ele pertencia à Nação do Vento do Norte, um povo que ouvia os sinais da floresta e andava sem ruído entre as árvores. Mas Takai era diferente. Apesar de seus olhos atentos e coração bom, carregava dentro de si um vazio, um silêncio que nem o canto dos pássaros nem a dança das folhas podia preencher.
Certa noite, ao caminhar sozinho sob a lua cheia, Takai ouviu um uivo longo, profundo, que fez seu espírito estremecer. Não era um som comum. Era um chamado. Seus pés se moveram como guiados por algo maior do que ele mesmo, e assim ele seguiu o som pelas colinas, entre as sombras, até encontrar um lobo de pelos brancos como a neve, com olhos da cor do âmbar derretido.
— Você ouviu — disse o lobo, com voz que não saía da boca, mas entrava direto na alma.
Takai não recuou. Não se surpreendeu. Seu povo conhecia histórias de espíritos-animais, mas essa era a primeira vez que via um com os próprios olhos.
— Eu ouvi — respondeu o jovem. — E vim.
O lobo se ergueu sobre as patas dianteiras e fitou o homem como se pudesse enxergar até sua primeira lágrima.
— Então escute, Takai, filho da Terra. Eu sou Kûrah, aquele que caminha entre dois mundos. A floresta é minha casa, mas também conheço os caminhos da alma dos homens. Vim para te ensinar, se você tiver coragem de aprender.
Takai assentiu. Assim começou seu tempo com o lobo.
Durante luas inteiras, Kûrah lhe ensinou os segredos das árvores, o sussurro das águas, a canção dos ventos. Mostrou como os animais falam mesmo sem palavras, como cada folha caída carrega uma mensagem do ciclo da vida. Ensinou-o a caçar sem crueldade, a colher sem cobiça, a dormir ouvindo o coração da terra.
— A floresta não é apenas onde se vive — disse certa vez o lobo. — É onde se ouve. E quem ouve, compreende o Todo.
Mas Kûrah também falava dos homens.
— Eles esquecem, Takai. Esquecem que o sangue deles veio da terra, que a primeira respiração foi dada pelo vento. Por isso vivem em guerra com tudo. Guerra com os outros, com si mesmos, com o tempo.
O jovem ouvia em silêncio, mas algo dentro dele mudava a cada palavra.
Certa noite, sob a mesma lua cheia de seu primeiro encontro, Kûrah o chamou para um círculo de pedras. Ali, o lobo olhou fundo em seus olhos e disse:
— Takai, ensinei-te tudo que podias aprender como homem. Mas há algo mais.
O ar ficou denso. As estrelas pareciam ouvir.
— Eu não sou apenas lobo — continuou Kûrah. — Sou também homem. Vivo entre dois mundos, entre duas naturezas. Sinto o cheiro da terra e o peso da alma humana. Carrego o instinto e a razão, a garra e a compaixão. E agora te pergunto, filho do silêncio: queres ser como eu?
Takai sentiu o coração bater como tambor de guerra. Parte de si desejava a liberdade da floresta, os sentidos aguçados, a verdade pura do lobo. Mas sabia que isso exigia renúncias — talvez nunca mais pudesse viver entre os homens como antes. Seria sempre metade de cada coisa, e nunca inteiro em uma só.
— O que preciso fazer? — perguntou.
Kûrah avançou e roçou a testa na de Takai.
— Apenas aceitar. A transformação começa dentro. Se teu espírito for forte o bastante, tua carne seguirá.
Naquela noite, Takai adormeceu sob a luz prateada. E em seus sonhos correu por entre as árvores, sentiu o cheiro do cervo, a força em suas patas, o vento cortando seus pelos. Quando acordou, seus olhos eram dourados como os de Kûrah.
A partir daquele dia, o povo do Vento do Norte contava histórias de dois lobos que caminhavam juntos pela floresta: um de pelo branco como a neve, outro cinzento como a tempestade. Diziam que protegiam a terra, ensinavam aos dignos, guiavam os perdidos.
Mas apenas os de coração puro conseguiam ouvir seus uivos — pois eram chamados, como Takai fora, a viver entre dois mundos.
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