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sábado, 3 de maio de 2025

Conto: Tarde Demais para Nós



Nil Batista era um furacão com microfone. Suas rimas afiadas e presença incendiária o transformaram em ídolo de uma geração que se sentia invisível. Ex-presidiário, criado entre becos e abandonos, dizia que o mundo nunca lhe dera nada — e por isso não devia nada a ninguém. Nas redes, era ácido, debochado, impulsivo. Alimentava polêmicas como um artista alimenta a própria arte: com prazer e vício.

Era amado e odiado em igual medida.

Na noite da infâmia, Nil fazia uma live no Instagram, cercado de garrafas vazias, fumaça de cigarro e os risos dos amigos. Comentários desciam na tela como avalanche. No meio deles, um brilhou:

"Você me inspira. Sua música me ajudou a continuar."
— Mila R.

Nil leu. Sorriu. Mas não de gratidão.

— "Ah, lá vem... Deve ser uma dessas garotas que vivem ouvindo música triste enquanto comem pote de sorvete escondida. Fala sério. Aposto que não corre nem pra pegar o ônibus. Quer inspiração? Vai caminhar, gata."

Risadas. Gargalhadas. Coroinhas, foguinhos, emojis de vômito.
Nil riu também — um riso cruel, alheio à dor que causava.

Na outra ponta da tela, Mila deixou o celular cair no colo. O peito apertado, o rosto queimando.
Ela tinha vinte e três anos. Era gorda, sim. Mas não fraca. Até aquele momento.

Durante meses, Nil havia sido seu alicerce invisível. Sua voz nas noites escuras. Suas letras haviam colado os cacos de um coração despedaçado por traumas de infância e rejeições adultas. E agora, o próprio ídolo, aquele que ela defendeu mesmo nas maiores controvérsias, a expunha — sem saber, sem se importar.

Daquele dia em diante, ela se afastou de tudo. Das redes. Da música. De si mesma. O que se seguiu foi escuridão.

Mila se trancou num casulo de tristeza. Chorava ao acordar, chorava ao dormir. Passava horas encarando o espelho como se buscasse a versão de si que existia antes. Não a achava.

Começou a recusar convites, mentir para amigos, faltar ao trabalho. Os poucos que tentavam ajudar encontravam um muro. Um muro triste, intransponível.

Até que Brandon — colega de infância, agora terapeuta em formação — insistiu. Gentilmente. Com persistência e delicadeza. Mandou mensagem todo dia. Chegou com sopa numa noite chuvosa. Ofereceu carona à terapia. E ela aceitou.

Foram semanas de reconstrução. Choro, confronto, recomeço.
Na terapia, descobriu que Nil não era o centro da ferida — era só o estopim. Carregava traumas antigos, feridas que ele apenas reacendeu. E por isso, ela prometeu a si mesma: nunca mais deixaria que palavras de um estranho apagassem a sua luz.

Voltou a caminhar. Depois correr. Depois nadar. Não por vingança. Não por aplauso. Por ela.

Redescobriu a vaidade, a dança, os livros, a si mesma. Sua aparência mudou, sim — mais leve, mais forte. Mas o que mais impressionava era sua aura. Mila passou a brilhar como alguém que passou pelo inferno e saiu com asas.

Enquanto Mila se ergueu, Nil desabou. Seus excessos começaram a cobrar a conta. Drogas, violência, cancelamentos. Uma agressão verbal num programa de TV ao vivo. Uma acusação de abuso psicológico por uma ex-namorada. E, enfim, a prisão. Pequena, mas suficiente para quebrá-lo.

Nil não teve visitas. Não teve fãs na porta. Teve apenas o próprio reflexo — e a vergonha. Saiu em silêncio. Sumiu das redes. Meses sem uma palavra. Quando voltou, era outro homem: menos barulho, mais silêncio. Menos postura de ídolo, mais de homem quebrado.

Fez uma série de entrevistas. Pediu desculpas públicas. Falou sobre vício, raiva, infância negligente. Assumiu: não sabia lidar com carinho. Por isso o cuspia de volta. Arrependido, gravou um álbum íntimo, cheio de guitarras limpas, letras confessionais e nenhuma máscara.

A crítica chamou de renascimento. Os fãs começaram a voltar. Mas Nil, agora, não sorria fácil. Parecia sempre à procura de algo. Foi em um festival de arte independente, que Nil a viu.

No meio do público, enquanto ele terminava sua palestra sobre saúde mental e redenção, os olhos se cruzaram. Ela estava mais bela do que ele poderia suportar. Cabelos soltos, vestido longo, expressão serena. Mila.

Nil travou.

Não esperava — nem merecia.

Tentou se aproximar.
— Mila... sou eu. Nil.

Ela olhou com os olhos frios de quem reconhece um incêndio antigo.
— Eu sei.

Ele gaguejou, tentou conversa. Ela não ofereceu sorriso algum. Apenas cortesia. Vazia, protocolar. No fundo, cada palavra dele reabria a dor de anos atrás. Mais tarde, ele a viu sozinha em um café, lendo.
Se aproximou de novo, como quem pisa em terra santa.

— Posso me sentar?
— Pode, claro — respondeu sem emoção, sem levantar os olhos do livro.

O silêncio durou longos segundos.

— Sobre aquela live... eu fui um idiota. Um idiota ferido. Eu machuquei você e me arrependo.

Ela o olhou. Pela primeira vez, diretamente. E então, com a calma de quem venceu a guerra, disse:
— Você não me quis antes. Por que eu vou querer você agora?

Nil sentiu o golpe.
— Por que eu deixaria você ter o melhor de mim, quando foi você quem me fez ver o pior em você?

Ela se inclinou, olhos marejando, mas firmes.
— Quando todos te julgavam, eu não fazia isso. Eu te defendia. Eu acreditava em você... e você riu de mim. Fez piada da minha dor. Você me desfez. Agora... você não tem o direito de me querer inteira.

Ela se levantou. Pagou o café com calma. Passou por ele e, antes de sair, completou:
— Espero que você esteja mudando. Mas eu não estou aqui pra ser recompensa da sua culpa.

E foi.
Deixou no ar seu perfume — doce, quente, persistente.

Nil ficou ali. Sozinho.
Não com raiva. Não com dor.
Com algo mais raro: consciência.

Ela jamais voltaria. E tudo bem.
Mas o que ela deixava — o vazio, o perfume, a frase — ficariam com ele.

Talvez para sempre.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.