Numa cidade onde os segredos se escondiam atrás das janelas fechadas e os becos sussurravam ao cair da noite, vivia Lía, uma jovem de espírito inquieto e olhar que parecia sempre buscar algo — embora ela própria não soubesse o quê. Trabalhava numa pequena livraria no centro antigo, um lugar esquecido pelo tempo, onde o cheiro das páginas velhas competia com o som morno das horas arrastadas.
Havia lendas naquela cidade. Uma delas falava de um homem feito de sombra — Caelum, chamavam-no em sussurros. Diziam que era mais antigo do que o próprio tempo, um espectro que caminhava entre o mundo dos vivos e o que existe além dos véus. Procurado por muitos — bruxos, caçadores, mulheres em luto e homens em desespero — jamais fora encontrado. Diziam que ele escolhia. E escolhia somente uma vez.
Lía nunca deu ouvidos a essas histórias. Era prática demais para mitos e teimosa demais para medos. Mas havia algo que a perturbava. Desde algumas semanas, sentia-se... observada. À noite, os reflexos nas vitrines pareciam mais fundos do que deveriam. Ao caminhar, os passos atrás de si não eram seus. E ao dormir, sonhos com olhos prateados invadiam sua mente — olhos que brilhavam dentro do escuro.
Na terceira noite de lua nova, ela o viu.
Estava em sua varanda, como se já estivesse ali há muito tempo. Um homem alto, de traços quase imperceptíveis, envolto numa escuridão que parecia viva, pulsante. Seus contornos não obedeciam à luz — o luar o atravessava como se ele fosse feito de fumaça densa, mas seus olhos... ah, os olhos... Eles eram reais. Claros. Impossíveis de encarar por muito tempo sem sentir algo se desfazendo por dentro.
Lía congelou, mas não gritou. Ele também não se moveu. O ar entre eles vibrou como se o silêncio tivesse peso.
— Você... existe? — ela murmurou.
— Você não me procurava — ele respondeu, sua voz mais quente do que ela esperava. Um eco suave, envolvente.
— Não.
— Por isso me encontrou.
Naquela noite, ela o deixou entrar. Não porque quisesse — ou sequer entendesse o que estava acontecendo — mas porque algo dentro dela cedeu. Uma parte antiga, adormecida, reconheceu aquele ser.
Caelum não tocava, mas sua presença queimava. Sentava-se em sua poltrona favorita e a observava ler, sem piscar. Suas palavras eram poucas, mas cada uma parecia escolhida a dedo, como se tocassem partes dela que nem ela sabia que existiam.
— Por que me seguiu?
— Porque algo em você é feito de sombra também — respondeu ele. — E a sombra sempre reconhece sua origem.
Os encontros se tornaram frequentes. E perigosos. Lía começou a perder peso. Dormia pouco. Seus colegas notaram seu olhar distante, sua pele mais pálida, sua atenção rarefeita. Mas ela se sentia viva como nunca antes. Caelum não a beijava, mas seu olhar sobre ela era um toque constante. Quando falava ao pé de seu ouvido, o ar esquentava como verão. Quando se aproximava demais, seu corpo tremia — de medo, de desejo, de algo entre os dois que ela não sabia nomear.
Uma noite, ele estendeu a mão.
— Vem comigo.
— Para onde?
— Onde ninguém volta. Onde tudo é sentido, mas nada é dito. Onde o desejo devora e a luz morre.
Lía hesitou. O mundo parecia pequeno demais para ela, mas a eternidade ao lado de um mistério... era um salto sem volta.
— E se eu não quiser mais voltar?
Caelum sorriu. Pela primeira vez. Um sorriso triste, quase humano.
— Então será minha. Inteiramente.
Ela encostou os dedos nos dele — frios como a noite mais escura. E então tudo ao redor desapareceu.
Alguns dizem que ela enlouqueceu. Que sumiu do mapa. Outros juram ter visto uma mulher com olhos de sombra caminhando pelas ruas vazias da cidade, à meia-noite, quando o vento sopra diferente.
Mas os que a conheciam sabem que Lía nunca procurou o perigo. Foi o perigo que a escolheu. E, quando finalmente se olhou de frente, percebeu que uma parte dela sempre pertenceu à escuridão.
Caelum só veio buscá-la de volta.
P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.