segunda-feira, 2 de junho de 2025

Conto: Oito Invernos e Nenhuma Primavera

 



Leonor sempre acreditara que o amor verdadeiro era aquele que, mesmo quando a rotina se instalava e os silêncios cresciam, ainda pulsava em pequenos gestos. Nos cafés quentes deixados na mesinha de cabeceira nas manhãs frias. Nos bilhetes rabiscados com pressa, mas cheios de ternura. Nos olhares cúmplices que diziam: “ainda estamos aqui”. Durante oito anos, foi assim com Diogo.

Conheceram-se numa tarde chuvosa na Baixa de Lisboa. Leonor derrubara sem querer os livros dele numa livraria. Ele sorriu, ela pediu desculpa mais vezes do que precisava. Conversaram ali mesmo, entre estantes, sobre Saramago e fado, sobre vinhos e gatos. No fim daquela tarde, já estavam a rir como se se conhecessem de outros tempos.

Diogo tinha aquele ar de quem vive mais dentro da cabeça do que fora, e Leonor, com seu jeito intenso, parecia iluminá-lo. Foram morar juntos dois anos depois. Não por pressão, mas porque parecia natural. Já dividiam tudo: lençóis, louças, silêncios e domingos.

Leonor sempre achou que o pedido de casamento viria. Não precisava ser num restaurante caro, nem com alianças escondidas em sobremesas. Bastava o olhar dele e a pergunta. Ela tinha até sonhado com isso mais de uma vez. E, com o tempo, foi esperando. E esperando. E esperando...

Ela segurou as pontas quando Diogo perdeu o emprego e passou meses à deriva. Foi ela quem lidou com o cansaço, quem cozinhava quando ele só queria dormir, quem sorria por dois quando ele mal falava. Quando os pais dele adoeceram, Leonor cuidou como se fossem seus. Adiou os próprios sonhos, manteve os dois de pé. E, mesmo quando sentia que as palavras entre eles escasseavam, ela acreditava que ele estava ali, que era uma fase, que depois da tempestade viria o tal dia.

Até aquela sexta-feira.

Diogo chegou mais cedo do trabalho. Leonor sorriu, achando que era surpresa. Talvez — finalmente — fosse o dia. Ela vestia a blusa azul que ele adorava, o cabelo solto como ele sempre preferia. Mas havia algo diferente no olhar dele. Uma rigidez. Uma ausência.

— Podemos falar? — ele disse, sem rodeios.

Ela assentiu, o coração já adivinhando a dor.

— Eu... não consigo continuar. — disse Diogo, com a voz baixa. — Já não faz sentido.

Leonor engoliu em seco, sem entender.

— Não faz sentido o quê, Diogo?

— Nós. Isto. Oito anos e... não sinto que estejas comigo de verdade. Parece que não lutas por nós.

Silêncio.

Foi como se o chão abrisse debaixo dela.

— Eu... como assim não luto? — a voz dela saiu frágil, quase infantil. — Eu dei tudo, Diogo. Aguentei tudo contigo. Estive ao teu lado sempre. Abri mão de mim, de planos, de oportunidades. Cuidei de ti. Amei-te até nos teus dias mais cinzentos.

— Eu sei... — ele disse, desviando os olhos. — Mas sinto que foste ficando. Como quem está por hábito. Faltou fogo. Faltou... algo. Não sei explicar.

Ela tentou manter-se firme, mas as lágrimas já traçavam caminhos no rosto.

— Oito anos. E só agora te apercebeste disso?

Ele não respondeu.

E foi assim que terminou. Sem brigas. Sem gritos. Sem uma terceira pessoa. Só com a ausência de algo que ele não soube nomear — e ela não pôde combater.

Nos dias que se seguiram, Leonor arrastou-se entre caixas e recordações. Cada canto da casa carregava uma memória: o café da manhã aos sábados, o som dos passos dele pelo corredor, as tardes de preguiça no sofá. Tudo era dele. Dela. Deles.

Ela relembrava os jantares em que ele falava dos planos para o futuro. Das conversas em que ele dizia que a amava, que se via envelhecendo com ela. Palavras que agora pareciam folhas secas levadas pelo vento.

E, pela primeira vez em muito tempo, ela pensou: e eu? Quem lutou por mim?

Percebeu que, em meio a tentar manter o “nós” vivo, esquecera de si mesma. Que se moldou tanto aos silêncios dele, aos tempos dele, às dores dele, que se apagou aos poucos. E que ele, talvez, tenha se afastado justamente porque já não a via ali.

Leonor então decidiu recomeçar. Não com pressa, nem com promessas. Mas com a coragem de se reencontrar. Passou a caminhar mais, a sorrir aos poucos, a escrever num caderno tudo o que sentia. Voltou a ouvir os fados que tanto amava. E aos poucos, foi voltando para si.

Alguns amores acabam não porque faltou amor, mas porque um dos dois cansou de carregar tudo sozinho. E quando isso acontece, não há pedido de casamento que salve. Há apenas o luto. E, depois dele, o renascimento.

Leonor chorou todos os dias durante semanas. Mas, um dia, acordou e o nome dele não foi o primeiro pensamento. Nesse dia, ela soube: estava a voltar.



A primavera, enfim, chegava.


P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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