domingo, 4 de maio de 2025

Conto: O Que Ficou Para Trás

 

A brisa do fim da tarde era leve, mas carregava algo estranho naquela cidade onde Amy não pisava há muitos anos. Estava em uma viagem de trabalho, voltando de um evento corporativo, quando saiu do prédio do hotel e caminhou em direção ao estacionamento. Usava salto alto, um vestido que lhe caía bem e a postura de uma mulher segura. Já não era a garota de vinte anos atrás — mas o mundo tem um jeito irônico de testar nossa evolução.

Ao se aproximar do carro, foi interrompida por uma voz masculina, firme, porém gentil:

— Boa tarde, senhora. Posso ver sua carteira de motorista?

Ela se virou sem muita paciência, puxando a carteira da bolsa. Mas, ao erguer os olhos, sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.

Aquele rosto.

Aquele sorriso, meio torto, inconfundível.

Augusto.

Ele a reconheceu de longe. Não teve dúvida. O cabelo agora tinha um tom diferente, o corpo mais maduro, mas o jeito de andar, a expressão decidida — eram dela. E por um segundo, tudo parou. O tempo, o barulho dos carros ao redor, os passos das pessoas no estacionamento. Apenas os dois.

Amy demorou um instante para reconhecê-lo. Estava mais velho, claro, com marcas no rosto que denunciavam os anos. Mas o olhar era o mesmo — aquele olhar que um dia foi abrigo e prisão ao mesmo tempo.

— Augusto?

Ele sorriu. O mesmo sorriso de quando ela o ajudava a estudar para as provas, ou quando os dois fugiam do mundo para se beijar às escondidas em um canto qualquer da escola. Mas aquele sorriso, que um dia a derretia, agora só trazia memórias confusas. E dolorosas.

Sem aviso, ele se aproximou e a beijou. Foi um beijo intenso, ousado, carregado de anos represados. E, por mais que quisesse resistir, por um breve momento, ela se entregou. Ainda havia ali, perdido em algum canto escondido, um vestígio de atração. O corpo lembrou. Mas a alma... essa, não era mais a mesma.

Quando ele recuou, ofegante, com os olhos brilhando de satisfação, disse com uma confiança quase infantil:

— Eu sabia que você ainda gostava de mim.

Amy sorriu. Um sorriso frio. Não de quem está feliz, mas de quem sabe exatamente quem é e o que superou.

Ela se aproximou devagar, deixando os olhos colados aos dele, e sussurrou em seu ouvido:

— Meu coração e minha mente já se livraram de você há muito tempo, Augusto. Acho difícil você conseguir mexer com os dois outra vez. Apesar de que... pelo visto, o único que sentiu falta foi meu corpo. Mas isso é passageiro. Eu consigo apagar esse fogo com outro corpo.

Ela piscou. Viu nos olhos dele a confusão, o desejo e a frustração se misturando como um coquetel venenoso. Deixou-o sem palavras. Era sua vez de quebrá-lo.

Virou-se, ajeitou os cabelos com elegância, e antes de entrar no carro, lançou a última frase como uma flecha certeira:

— Eu não vivo de passado, Augusto. O que era pra acontecer com a gente, já aconteceu. Agora, nossos caminhos não são mais os mesmos.

E partiu. Com os passos firmes de quem não olha para trás.

Vinte anos antes, era tudo diferente.

Amy e Augusto viviam o que todos achavam ser o romance perfeito. Estavam sempre juntos — nas aulas, nos intervalos, nas festas e nas madrugadas em chamadas longas, dividindo sonhos, inseguranças e planos para o futuro. Eram melhores amigos e amantes, cúmplices em tudo. Se entendiam com o olhar. Se cuidavam, se respeitavam — ou, ao menos, era o que ela acreditava.

Amy fazia tudo por ele. Colava bilhetes de apoio nas provas, levava comida na mochila quando ele esquecia, o defendia nas brigas com os outros amigos, e era seu ombro nas crises familiares. Ele, por sua vez, retribuía com presença, carinho, e um charme avassalador que parecia reservado só para ela.

Mas era tudo fachada.

Augusto era o tipo que gostava de se sentir desejado. Não importava o quanto Amy o amasse, o quanto ela estivesse presente — ele sempre procurava mais. Mais olhos sobre ele, mais beijos aleatórios, mais conquistas descartáveis. Traía Amy sem remorso. Com outras colegas da escola. Com garotas em festas. E depois voltava, com lágrimas falsas, promessas ensaiadas e a habilidade cruel de saber onde tocar para quebrá-la.

Ela tentou resistir. Terminou. Chorou. Mas ele voltava, sempre com um discurso de redenção, e ela, ainda frágil pelo amor, vacilava. Voltou uma, duas, três vezes.

E em todas elas, o ciclo se repetia. Promessas. Paixão. Traição. Dor.

Até que, aos 19, ela recebeu a carta de aprovação para a universidade em outra cidade. E naquele momento, entendeu que era sua chance de se salvar. Partiu sem despedidas, sem bilhetes, sem mais conversas. Pela primeira vez, colocou um ponto final que ele não pôde apagar.

Longe dali, reconstruiu-se. Estudou. Trabalhou. Se tornou uma mulher segura, dona de si, dona dos próprios passos. E nunca mais permitiu que Augusto entrasse em sua vida.

Agora, ali, no estacionamento iluminado pelo pôr do sol, ele a olhava como se o tempo tivesse parado.

Mas ele sabia — ela não era mais a garota de antes. Ela era uma mulher que sobreviveu ao que ele destruiu.

E ele, por mais que desejasse apagar tudo e começar de novo, sabia, no fundo, que era tarde demais. Amy ainda morava nele: no coração, na mente, e no corpo. Mas ele? Para ela, ele já era apenas um nome em um capítulo superado.

E o passado... é um lugar onde ela já não vive mais.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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