O pesadelo parecia mais real do que a vigília. Milla acordou como quem desperta de um afogamento, com o peito arfando, o corpo tenso, os olhos já cheios d’água antes mesmo de entender onde estava. O quarto escuro, com a luz pálida da lua filtrando pela fresta da janela, parecia uma extensão do sonho — ou do que ela preferia chamar de memória distorcida, porque era mais isso do que qualquer invenção noturna. Uma lembrança vestida de sombras.
Tinha sido aquela cena de novo.
Bruna.
Léo.
O beijo.
A traição.
As risadas.
O silêncio esmagador.
Mas, naquele sonho, havia mais. O que veio depois — aquilo que doeu de forma diferente, mais profunda. Milla lembrava de ter procurado seus amigos. Com o coração em frangalhos, a voz embargada, os olhos vermelhos, ela contou. Desabafou. Gritou por ajuda, por consolo, por justiça. Queria ser acolhida, compreendida. Queria alguém que segurasse sua mão e dissesse: "Você não está errada."
Mas não foi isso que aconteceu.
No sonho, assim como na realidade, as vozes vieram com crueldade disfarçada de lógica:
— “Você tá exagerando.”
— “Milla, não é tão sério assim.”
— “Nossa, que drama!”
— “Você tá inventando coisa.”
— “Isso é só ciúme.”
— “Bruna jamais faria isso com você.”
E a palavra que ficou martelando em sua mente, depois de tudo, foi a mesma que ouviu com um misto de pena e repulsa:
“Doida.”
Ela era a doida. A maluca que se iludia fácil. A que via o mundo como um conto de fadas e se desesperava quando alguém rasgava o cenário.
Mas Milla não era louca. Ela só amava demais. Só esperava o mesmo carinho que dava — e dava tanto. Com tanta vontade. Com tanta entrega. E isso, aos olhos de quem nunca sentiu profundamente, era fragilidade. Era fraqueza. Era tolice.
E naquela noite, sentada sozinha em sua cama, anos depois de tudo, ela chorou como se tudo ainda estivesse acontecendo. Como se não houvesse distância entre passado e presente. Como se sua pele ainda lembrasse do dia em que foi arrancada de si.
Os soluços vieram aos montes, desordenados, como se o corpo, cansado de guardar, decidisse finalmente colocar para fora o que carregava silenciosamente por tanto tempo. Chorava pela dor da traição. Mas chorava, principalmente, pela solidão. Por ter se sentido descartável, desacreditada, ridicularizada. Por ter sido tratada como uma criança birrenta quando, na verdade, estava despedaçada.
E, acima de tudo, chorava pela sensação de que, talvez, não existisse mesmo algo bom no mundo. Que toda bondade fosse fachada. Que toda luz escondesse uma sombra.
Ela, que sempre acreditou nas pessoas. Que via o melhor mesmo quando ninguém via nada. Que fazia carinho em quem só conhecia espinhos. Agora era só desilusão. Era só a casca do que foi um dia.
E foi nesse mergulho de dor que algo mudou. No meio da escuridão interna, como se uma pequena vela tremesse no fundo de um túnel, ela sentiu... algo. Não era uma lembrança nítida. Não era uma voz clara. Era uma presença. Um sussurro vindo de dentro.
A pequena Milla.
A Milla de antes. Aquela que usava tiaras com flores de tecido. Que pintava os dias nublados com lápis de cor. Que fazia listas de desejos em papel de caderno e acreditava, de verdade, que o mundo escutava quem sonhava.
Ela estava lá. Pequena. Frágil. Mas viva.
E falava.
— “Não se afoga mais, por favor...”
Era um pedido sussurrado com amor. Um clamor silencioso vindo do fundo de sua alma.
— “Não se enterra nessa dor. Você não nasceu pra morrer em silêncio.”
E pela primeira vez, em muito tempo, Milla não sentiu apenas dor. Sentiu saudade. Saudade de si. Da Milla que sorria com os olhos. Que se encantava com folhas no vento. Que escrevia cartas que ninguém lia só para espalhar amor no mundo.
Mas onde essa Milla tinha ido parar?
Ela estava soterrada. Enterrada sob camadas de desconfiança, medo, raiva e decepção. Não era culpa dela. Era defesa. Mecanismo de sobrevivência. Como quem ergue muros depois de tantos incêndios.
Mas a pequena Milla queria sair.
— “Você ainda brilha.”
Milla respirou fundo. De olhos fechados, se imaginou abraçando aquela versão antiga de si. A garota que ainda acreditava. Que ainda sorria com pureza. Que ainda se jogava no mundo de olhos fechados.
E ela chorou de novo. Mas agora era um choro diferente. Um choro de reencontro.
Porque no fundo, ela sabia: ainda podia haver algo bom. Ainda podia haver beleza. Ainda podia haver amor — não o que vem de fora, mas o que nasce dentro.
Era preciso reaprender. Recomeçar. Mas não sozinha. Com ela mesma.
A pequena Milla era a lembrança de que existia esperança antes da dor. Era a prova de que o amor ainda morava nela, mesmo que escondido.
A noite passou devagar, mas algo nela se moveu. Um milímetro, talvez. Um passo imperceptível. Mas um passo.
Ela não sabia como voltar a confiar nos outros. Talvez demorasse muito. Talvez nunca fosse como antes. Mas podia confiar em si. Podia se prometer que não se abandonaria de novo.
E essa promessa era tudo o que precisava por agora.
Quando o primeiro raio de sol atravessou a janela, Milla estava desperta. Cansada, com os olhos inchados, mas diferente. Não forte ainda. Mas desperta.
Levantou, caminhou até o espelho. O rosto parecia gasto, mas havia um traço — leve, quase imperceptível — de algo antigo. Um brilho. Uma lembrança. Uma promessa.
E pela primeira vez em anos, sussurrou:
— “Eu vou voltar a brilhar.”
Não pelo mundo. Não pelos outros. Mas por ela. Pela pequena Milla. Pela mulher que, mesmo ferida, ainda tinha dentro de si a força de amar.
P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.
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