Milla sempre viveu como se o mundo fosse feito de laços. Laços de afeto, de cuidado, de presença. Desde menina, aprendera a amar antes mesmo de entender o que significava ser amada. O amor, para ela, nunca foi uma palavra presa aos rótulos românticos que os filmes vendem com promessas ilusórias. Era algo mais vasto, mais denso, mais urgente.
Ela amava os amigos com uma intensidade quase materna. Era do tipo que se levantava de madrugada para atender um chamado, que sentava ao lado de alguém em silêncio só para não deixá-lo sozinho na dor. Era aquela que preparava cartas em datas aleatórias, que se lembrava de cada detalhe, de cada gesto. Milla era feita de memória e sentimento. Uma casa de janelas abertas, onde todos podiam entrar. E muitos entravam. E muitos saíam.
Mas o que Milla ainda não sabia — ou se recusava a ver — era que nem todos os que entram o fazem com gratidão. Alguns apenas querem se aquecer um pouco, outros querem roubar a luz. E há os que entram apenas para destruir.
Bruna foi esse tipo.
A amizade com Bruna começou como quase tudo começa com Milla: com encanto. Bruna era magnética. Tinha uma presença que ocupava o espaço como uma música alta demais. Era segura, engraçada, ousada. O tipo de pessoa que faz o mundo parecer menor diante do próprio brilho. E Milla, com seu coração vasto, ofereceu abrigo.
Era estranho, às vezes, o jeito que Bruna tratava certas pessoas — com desdém, com sarcasmo — mas Milla via além. Sempre via além. Acreditava que todos tinham feridas, e que até os gestos mais frios podiam ser gritos silenciosos por afeto. Por isso nunca julgou Bruna. Nunca desconfiou.
Quando falava de seus sentimentos, era Bruna a primeira a saber. Milla acreditava que dividir a própria alma com alguém era uma forma de tornar a vida mais leve. E Bruna ouvia — com aquele meio sorriso que, à distância, podia parecer cumplicidade, mas de perto era só desprezo disfarçado.
Milla se apaixonava com facilidade. Era verdade. Mas cada paixão era sincera. Havia quem risse disso, mas ela sabia o que sentia. Era uma sensação doce e quente no peito, uma esperança silenciosa de que ali, talvez, houvesse alguém que enxergasse o que ninguém mais via nela. E quando conheceu Léo, algo foi diferente.
Léo era introspectivo. Tinha uma calma que contrastava com a agitação do mundo ao redor. Não era o mais bonito, nem o mais engraçado. Mas havia nele uma gentileza que Milla reconheceu de longe — como quem encontra, no meio da cidade, um pedaço de campo. Eles trocaram algumas palavras no intervalo da escola, riram de bobagens. E bastou.
À noite, mandou mensagem para Bruna: “Acho que me apaixonei.”
Bruna respondeu com um emoji de riso. Depois mandou: “Sério, você é muito fofa. Vai fundo.”
Milla acreditou.
E nos dias que se seguiram, viveu naquele estado de encantamento silencioso. Olhava Léo de longe, ensaiava conversas na cabeça, planejava como se aproximar sem parecer óbvia. E sempre dividia tudo com Bruna. Cada detalhe. Cada suspiro.
Até o dia em que o chão desabou.
Foi no pátio da escola. Milla ia pegar o caderno que esquecera na sala quando, ao virar o corredor, viu os dois. Bruna e Léo. Rindo. Sozinhos. Próximos demais. O tipo de proximidade que não se explica com amizade. E então, o beijo.
Não foi um beijo apaixonado. Não foi um beijo cinematográfico. Foi rápido, quase banal. Mas para Milla, foi como ver o próprio coração cair no chão e se partir em pedaços minúsculos.
Ela congelou. O mundo pareceu parar. O ar ficou pesado. As vozes ao redor sumiram. E por dentro, tudo se contorceu.
Bruna a viu. E sorriu. Um sorriso leve, sem culpa.
Mais tarde, quando Milla a procurou, ainda com os olhos em brasa e as palavras tremendo nos lábios, ouviu a sentença que selaria o fim de sua fé:
“Você se apaixona por qualquer um, Milla. Não dá pra levar isso tão a sério.”
Foi aí que tudo mudou.
As cores do mundo desbotaram. Os sons perderam o brilho. As pessoas, antes tão queridas, passaram a parecer ameaças silenciosas. Milla deixou de confiar. Não só em Bruna. Mas em todos. Nas palavras, nos gestos, nos afetos. Passou a duvidar das intenções mais simples. Até o carinho alheio virou suspeita.
Ela não chorou no dia seguinte. Nem no outro. Seu luto não foi feito de lágrimas, mas de silêncio. Um silêncio denso, sufocante, que tomou conta de tudo.
Começou a se afastar. Das pessoas. Das conversas. Da escola. Passou a responder com frases curtas. A evitar abraços. A recusar convites. O que antes era espontâneo agora virava esforço. E aos poucos, ela se tornou outra.
O amor, que antes era sua linguagem nativa, virou idioma estrangeiro.
Não deixou de amar, mas mudou como amava. Passou a esconder. A controlar. A medir. Os gestos afetuosos deram lugar à vigilância. As palavras doces foram substituídas por ironia. Era como se, para se proteger, tivesse vestido uma armadura feita de espinhos.
Milla não era mais Milla. Ou pelo menos, não a mesma.
Havia dentro dela uma saudade imensa — não de Bruna, nem de Léo, mas de si mesma. Daquela que sorria com facilidade, que acreditava nas pessoas, que dizia “eu te amo” sem medo do que viriam a fazer com isso.
Mas essa Milla agora estava soterrada.
E no fundo, ela sabia: ou reaprendia a ser vulnerável, ou passaria a vida inteira caminhando por entre ruínas.
Porque o amor, mesmo depois da dor, ainda era tudo o que ela sabia dar. Mas agora, precisava aprender a dá-lo primeiro a si mesma.
E talvez, só talvez, um dia, com o tempo, com o cuidado, com a delicadeza que sempre ofereceu aos outros — talvez conseguisse resgatar aquela Milla de dentro dos escombros.
Não para ser como antes.
Mas para ser inteira. E verdadeira. Mesmo depois do amor.
P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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