domingo, 4 de maio de 2025

Conto: Quando Dois Silêncios se Tocam


A cidade respirava lento naquela hora onde os postes começam a acender por hábito e os pássaros se recolhem em silêncio. Era o entardecer — esse instante em que o mundo parece suspenso entre o que foi e o que ainda não começou. Os prédios lançavam sombras longas sobre o asfalto, e um vento morno soprava como quem carregasse notícias antigas. Foi nesse intervalo rarefeito que Lili surgiu na esquina de uma rua que não lembrava seu nome.

Ela vinha com passos calmos, cabelos longos, escuros, escorrendo pelas costas como uma cachoeira negra, soltos ao vento como asas. Usava um vestido simples, azul-marinho, mas o modo como o tecido dançava ao redor do corpo dava a impressão de que ela flutuava. Tinha os olhos fixos em lugar nenhum, como quem busca um horizonte dentro de si mesma.

Roy estava ali, no meio-fio da calçada, como uma escultura cansada de ser invisível. Tinha o coque samurai desfeito, alguns fios caindo na testa, o cotovelo apoiado nos joelhos, e os olhos — ah, os olhos — perdidos entre o cigarro apagado nos dedos e o lento desfilar do tempo. Não esperava nada. Não queria nada. O mundo era um jogo vencido, e ele apenas cumpria o papel do jogador cansado, sorrindo por fora, entediado por dentro.

Mas então a viu.
E tudo mudou, sem fazer barulho.

Era como se duas forças esquecidas do universo se tocassem. Como se o pó estelar de suas almas, guardado em caixas enferrujadas, de repente se lembrasse do caminho uma da outra. Foi um instante sem explicação lógica, como são todos os momentos verdadeiramente importantes.

Ela cruzou seu campo de visão e ele, por reflexo ou destino, disse: 

— Nunca vi a noite andar tão bonita por aí.

Lili parou. A cabeça inclinada, o cabelo caindo sobre o ombro, e um sorriso que não era inteiro, como se testasse se era seguro sorrir.

— E você? Esperando o fim do mundo ou só alguém que ainda acredita no amor?

Roy arqueou uma sobrancelha. Ninguém o desarmava tão fácil. Mas ali estava ela. Um espírito livre, e ele, uma fortaleza em ruínas.

— O fim do mundo, com certeza. Amor... é só outro nome bonito pra queda.

Mas ela riu. Um som leve, como sinos pequenos em uma vila distante. E ali, entre faróis que passavam e o cheiro da noite nascendo, um fio invisível se esticou entre os dois. Uma ponte silenciosa. Um convite.

O que veio depois foi um delírio que parecia não querer acabar. Começaram a se encontrar sem marcar. Lili aparecia em cafés sem nome, em calçadas vazias, em telhados silenciosos. Roy a reconhecia sempre de longe — pela forma como o vento se tornava mais leve quando ela chegava. Ele, acostumado a jogos rápidos, se viu preso em algo mais perigoso: ternura.

Ela dançava no meio da rua com os olhos fechados, fazia perguntas sem querer respostas, escrevia cartas e as deixava em livros escondidos pela cidade. Roy ria disso tudo. Mas era um riso estranho. Um riso que doía. Porque ela, com sua liberdade desarmada, tocava partes dele que ele mantinha escondidas até de si mesmo.

E, como todo homem que vive nas sombras, ele começou a recuar quando a luz ficou intensa demais.

Roy começou a se calar. A mudar a entonação. Pequenos afastamentos. Gestos frios. Palavras que antes eram poesia, agora viravam concreto. E Lili... ah, Lili sentia. Não dizia nada. Só observava.

— Você está indo embora — ela disse, um dia, sob um céu pesado de nuvens.

— Não, só me afastando um pouco.

— Roy, quem se afasta do que ama está, na verdade, indo embora.

Ele ficou em silêncio. O único som era do vento passando entre as folhas. No dia seguinte, ela não apareceu. Nem no outro. Nem no outro. E nunca mais.

Os meses se esticaram como cordas finas prestes a romper. Roy voltou aos velhos hábitos. Mas nenhuma boca tinha o gosto do beijo que Lili dava. Nenhum toque acendia a pele como os dela. Nenhum olhar trazia a inquietação boa que ela causava. Era como viver um filme onde a melhor parte havia sido cortada.

Começou a escrever cartas que nunca enviava. Começou a sonhar com ela parada em ruas vazias, olhando para trás. Começou a entender, tarde demais, que o que viveram não foi uma aventura. Foi um amor — o tipo raro, que atravessa o peito e deixa cicatriz bonita.

E então, numa noite sem data, Roy voltou àquela mesma rua. O mesmo meio-fio. A cidade era a mesma, mas ele não. Agora, o coque estava desfeito de vez. Os olhos, mais fundos. As mãos, vazias.

Sentou-se como da primeira vez. Olhou para cima. A lua estava cheia, alva, parecendo vigiá-lo.

— Agora... — disse ele, como quem confessa ao céu — agora é só a lua e eu.

Mas algo naquela frase soava menos como lamento e mais como começo. Porque dentro do silêncio que restou, algo ainda vibrava: a lembrança de um amor real. Selvagem. Honesto.

Um amor que, mesmo perdido, ensinou que certos encontros não são para durar. São para despertar.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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