Dizem que nas profundezas da mata velha, onde as árvores crescem tortas de tanto guardar segredos e as corujas cantam baixo para não acordar os mortos, habita uma criatura que não sente. Um ser sem alma, sem passado, sem futuro — apenas presente. Ele caminha por entre as sombras como parte delas, olhos escuros como a noite fechada e pele fria como o fim de um presságio. Ninguém conhece seu nome. Ninguém jamais voltou para contar com precisão. Por isso, apenas sussurram: onde ele passa, o amor cessa.
Mas ela o encontrou.
Era jovem, de passos leves e olhar firme, com o peito ainda quente de sonhos e a ingenuidade daquelas que acham que podem curar qualquer dor com um toque. Seu nome se perdeu com o tempo, mas naquela época chamavam-na de Mariel. Era filha da ventania, criada entre folhas secas e histórias antigas, e sabia que havia algo estranho na mata. Sentia, mesmo de longe, a presença de algo quebrado. E como toda alma marcada por amor demais, quis consertar.
Durante meses, o procurou. Seguiu pegadas que não deixavam marcas, escutou o silêncio que gritava seu nome em madrugadas escuras. Até que ele apareceu.
Não como um monstro. Não como um homem. Mas como um vulto esculpido de vazio e ferida. Os olhos eram poços fundos sem fim. E ainda assim, ela não recuou.
— Eu não vim para te amar. — disse ela, com a voz firme, como quem recita uma verdade para si mesma. — Vim para te mostrar que o amor não é fraqueza. É só mais um nome para a coragem.
Ele a observou por longos segundos, e por um instante, pareceu duvidar de sua própria natureza. Como se a presença dela provocasse uma rachadura imperceptível em sua existência.
— Você não entende — respondeu ele, numa voz que soava como folhas secas sendo pisadas. — O amor me quebra. Ele me enraíza. Eu fui feito para andar, para desaparecer. Não posso amar. Eu não quero amar.
Mas ela ficou.
Ficou em silêncio quando ele se recolhia à escuridão. Ficou quando ele sumia por dias e retornava como se nada fosse. Ficou quando ele a olhava como quem suplica para ser esquecido. E com o tempo, sem pedir licença, ela o amoleceu. Seus dedos roçaram o intocável, e sua voz, antes seca, ganhou resquícios de melancolia.
Ele começou a sentir.
E foi isso que o apavorou.
Na noite em que a lua sumiu do céu, ele voltou com os olhos cheios de raiva — não por ela, mas por si mesmo. Sabia o que estava prestes a fazer. Sabia que era a única saída.
Ela o esperava. Sorria como quem não tem medo, como quem acredita que pode ser abrigo até para o fim do mundo.
— Você está sentindo — disse ela, baixinho.
Ele assentiu. Um gesto tão humano, tão miseravelmente doce, que o envergonhou até os ossos.
— Então por que fugir?
— Porque se eu sentir demais, eu fico. E se eu fico, eu quebro. — murmurou ele.
E antes que ela pudesse reagir, antes que as palavras saíssem da garganta, ele a segurou com força. O toque era gélido, ancestral, quase ritualístico.
Ela não gritou.
Ele passou a mão sobre o peito dela, e com um gesto preciso, arrancou seu coração. Não como um assassino. Mas como alguém que arranca uma flor do jardim para impedir que ela murche com o tempo.
E então, segurando aquele coração quente entre os dedos, ele sussurrou:
— Eu te avisei.
Enterrou o coração na terra, sob as raízes da árvore mais velha da mata. Depois partiu, carregando a culpa como uma nova sombra.
Dizem que desde aquela noite, Onde Ele passa, flores de sangue brotam do chão. E ao longe, pode-se ouvir a risada suave de uma mulher — não de dor, mas de amor que não pôde ser contido, nem mesmo pela morte.
E o vento leva seu nome em segredo, até hoje, como uma promessa maldita:
Quem amar Onde caminha, terá o peito aberto e a eternidade calada.
P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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