quarta-feira, 14 de maio de 2025

Conto: A Montanha Tatra


A arte me consome.

Não é uma metáfora romântica, é quase física. Ela me toma por dentro, como se cada traço, cada som, cada palavra que surge na minha mente tivesse o poder de me atravessar. Em momentos assim, quando estou mergulhada em um desenho, numa melodia que apenas eu escuto, sinto minha alma se alongar, esticar-se até encontrar alívio. O tempo para. Tudo congela, menos eu e aquilo que estou criando. Ali, naquele breve instante de entrega, posso respirar.

É sempre isso. Quando me falta ar, é à arte que peço socorro.
E quase sempre, ela me responde.

Mas houve dias… dias longos, silenciosos, onde nem mesmo ela conseguia me alcançar. Eu me escondi fundo demais — não do mundo, mas de mim. Ela tentava tocar as bordas da minha existência, mas eu estava além. Ainda assim, de forma estranha e generosa, ela encontrou uma maneira de me alcançar. Me ofereceu mais uma válvula de escape: o silêncio.

Não o silêncio passivo, morto. Mas aquele que me permite sumir por dentro. O silêncio que me autoriza a desaparecer das expectativas, das palavras prontas, dos sorrisos ensaiados. Não precisei explicar a ninguém. Não precisei dizer os motivos. Alguns estavam visíveis, sim, nas minhas expressões, na minha ausência. Mas os reais… os reais estão presos dentro de mim, submersos em um subconsciente que ainda não me permite compartilhar sua metade.

Não agora.

Talvez um dia. Mas talvez não.

Às vezes abro os olhos e, por um momento, penso estar pronta para voltar. Voltar para onde? Ainda não sei. Então fecho os olhos de novo. E nesse gesto simples, quase infantil, descubro algo precioso: quando fecho os olhos, estou livre. Recuso o mundo, retomo minha solitude. Abandono tudo o que me prende — mas não esqueço. Nunca esqueço.
E é por isso que retorno.

Sempre retorno.

E retorno cheia de sonhos que, no fundo, sei que não se realizaram. Que talvez nem nasceram para se realizar. São viagens. Astral. Invisíveis. Instáveis. Sou feita delas. E é quando volto para o mundo que percebo com clareza: não é aqui que pertenço. O chão é duro demais. As vozes, altas demais. O real, cru demais. Não me encaixo.

E tudo bem.

Encaixo-me a milhas acima do que chamam de vida. Encaixo-me no vento. Nas alturas. Nos espaços onde o pensamento se dissolve e o corpo se entrega. É ali, entre o grito e o silêncio, que existo inteira. Onde posso correr livre, feroz, calma. Onde posso ser viva sem permissão.

Coragem e controle. Duas palavras que sempre desejei carregar comigo. Queria poder calar essas vozes que vivem em minha cabeça. Queria poder dizer “basta” e que elas se calassem. Mas não posso. Elas falam por mim. Às vezes contra mim. São parte de mim. E talvez seja por isso que eu escreva — por não saber silenciá-las.

Então, por favor. Não tenha medo.

Me permita estar aqui, mesmo sem estar.
Me encontre nas entrelinhas, nos espaços em branco.
Faça das minhas palavras algo mais bonito do que elas parecem ser.
Use-as como pontes.
Quebra muros.
Derrube tudo o que o mundo construiu entre nós.
Enfrente os dragões — sim, eles existem — que guardam os cinco cantos da minha existência. Eles são antigos, famintos, mas não invencíveis.

E quando tudo parecer confuso demais, siga meu último traço:
A montanha Tatra.

É lá que estarei.

Você saberá quando chegar. Sentirá o vento diferente. O ar vai doer nos pulmões. Mas não desista.
Procure os olhos selvagens, as marcas do frio, o uivo que não é só animal.
Estarei na companhia dos lobos. Eles me aceitaram como sou.
Eles não exigem explicações.
Não pedem cura.
Eles apenas correm.

E eu corro com eles.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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