segunda-feira, 19 de maio de 2025

Conto: Finale


Ele disse que seria para sempre!.
Disse com aquela voz que carregava a mesma firmeza de quem promete diante de um altar. Mas havia algo em mim — uma parte antiga e silenciosa — que já sabia que “para sempre” era uma palavra grande demais para a minha realidade. Nunca durava. Nunca permanecia. Eu tinha aprendido, cedo demais, que tudo o que é bonito tende a acabar com uma pontada de dor.

Miguel era pianista.
Tocava como quem falava com os deuses. Seus dedos corriam pelas teclas como se carregassem segredos que o mundo não estava pronto para ouvir. Cada nota sua era um sopro de algo sagrado e ao mesmo tempo devastador. E eu… bem, eu era só Vivian, violinista de sentimentos afiados e um jeito de andar que sempre parecia estar atravessando o mundo com pressa. Mas quando nos encontramos, houve música.

Começou em um ensaio, como tudo começa: despretensiosamente.
Um olhar por cima das partituras, um elogio simples, uma conversa interrompida por afinadores e o ranger de cadeiras. E então, o som. O som de nossos instrumentos se encontrando pela primeira vez. O piano dele e o meu violino. Um diálogo que nascia sem palavras, só com som e silêncio. Aquele primeiro dueto foi mais íntimo do que qualquer beijo que trocamos depois. E talvez tenha sido ali, ainda antes do primeiro toque de mãos, que começamos a nos amar.

Durante um tempo, fomos perfeitos. Ou achávamos que éramos.
A música unia tudo: nossos dias, nossas noites, nossas crises e reconciliações. Eu me sentia viva ao lado dele, mesmo quando ele mal falava. Bastava ouvi-lo tocar e era como se ele dissesse tudo o que sua boca não conseguia. Mas com o tempo — e o tempo sempre chega como um desafino — as pausas começaram a aumentar. Pequenas ausências que não tinham nome. Ele parecia estar em outro lugar, mesmo quando estava ao meu lado. O piano ainda soava, mas algo em suas mãos já era ausente.

Comecei a notar detalhes.
Mensagens apagadas no celular.
Notas trocadas, mudas, entre aulas.
A mudança no tom de sua voz ao dizer “está tudo bem”.
Miguel não mentia com palavras. Ele mentia com o corpo. Com os gestos. Com o jeito de evitar o olhar depois de dizer “te amo”.

Mas continuei ali.
Continuei tocando.
Porque a música era o que restava quando tudo o resto desmoronava.
E eu precisava crer que, enquanto os sons estivessem vivos, talvez nosso amor também estivesse.

A última apresentação foi a mais bela de todas. O auditório lotado, luzes mornas, nossos nomes no programa impressos lado a lado. Tocamos juntos como nos velhos tempos. Ninguém na plateia poderia imaginar que, atrás da harmonia da melodia, dois corações já batiam em tons diferentes. No fim, houve aplausos. Muitos. Mas para mim, houve apenas silêncio.

Miguel me olhou ao apagar das luzes.
Era o mesmo olhar do começo, mas sem o brilho.
Sem o “para sempre”.
Sem nada.

Nos separamos naquela noite sem brigas, sem gritos, sem discursos. Só deixamos de voltar.
E isso doeu mais do que qualquer despedida dita em voz alta.

Hoje, toco sozinha.
Em casa, no escuro, com o violino apoiado ao ombro e o peito ainda ecoando memórias que nunca terminaram direito.
Miguel está longe, talvez tocando por aí, dizendo novos “para sempre” para outras pessoas.
Mas eu sei. Sei que aquele amor foi um prelúdio breve de uma ópera maior que ainda estou escrevendo.

Nosso amor começou com a música.
E terminou com ela.
Mentiras também têm ritmo, e o dele era suave, quase imperceptível.
Até que virou dissonância.

Ele disse que seria para sempre.
E talvez tenha sido.
Porque cada vez que fecho os olhos e deixo os dedos dançarem sobre as cordas do violino, ainda ouço seu piano, lá no fundo da memória, tocando nossa última nota.

Finale.

P.S: Essa Fanfic conto, crônica ou qualquer nome que você queira dar, ou eu chama-la é criação minha. Por favor respeito os direitos autorais dela.

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